top of page
Buscar
  • Foto do escritorFlávio Adriano

E tome bala pra cima!


Ao receber aquela ligação, fiquei mais ou menos assim

Nada melhor que o tempo para nos ajudar a amadurecer na vida. Hoje olho para trás e vejo a quantidade de mancadas que só a meninice nos proporciona. Certa vez, quando era estagiário do Jornal do Commercio, o subeditor de Cidades da época, preocupado com a falta de dois repórteres naquele dia, me fez uma proposta: “Flávio, vou te passar mais pautas hoje. Vai ser bem puxado, mas, em troca, você folga amanhã (sexta-feira)... Pode ser?!”. Topei na hora. Afinal, o povo do prédio onde eu morava estava combinando fazer uma viagem arretada justamente naquele final de semana. Coisas da juventude.


E parti para as pautas. O problema é que duas delas aconteceram praticamente no mesmo tempo. Ao chegar na segunda, mais suado que tampa de chaleira, veio a tensão: fui cobrir o enterro de um policial militar que havia sido assassinado por bandidos em pleno posto policial em que trabalhava. O Cemitério de Santo Amaro estava tomado de colegas de farda da vítima e, por isso, o clima de tristeza e revolta era total. O detalhe é que o enterro tinha acabado de acabar. Pensei alto: “Puta merda! Fudeu foi tudo! E agora?!”.


Ao fechar os olhos e respirar fundo por uns dez segundos, resolvi conversar com um grupo de policiais que ainda estava no local. Foi quando um deles disse que, na hora da salva de tiros, “todos os policiais pegaram suas armas e meteram bala pra cima”. Achei aquela história o máximo.


Quando retornei à Redação, escrevi o texto em cima do depoimento dos policiais da roda de conversa. Por conta do fato inusitado, a matéria entrou com destaque no jornal do outro dia. A bronca é que, quando já estava de mochila pronta para sair de casa rumo à viagem, a editora do caderno ligou para a minha casa (na época, não existia nem celular).



- Oi, Flávio! Tudo bem? Aconteceu um problema agora. A assessoria da Polícia Militar me ligou garantindo que não houve um único disparo no enterro de ontem. Mas eu, como sempre, defendi a minha equipe, só que iria me certificar primeiro com o repórter responsável sobre o caso. Então me diga: você viu com os seus próprios olhos os policiais atirando para cima?! Viu ou não viu?! Se viu, vou defendê-lo até o fim. Caso contrário, terei que fazer um pedido de desculpas publicamente...



Do outro lado da linha, bateu aquele frio na barriga. De tanto mexer os dedos, mais parecia que eu estava tocando a 9ª Sinfonia de Beethoven. Fiquei mudo, deu vontade de fazer xixi, cocô, a porra toda... Pense na torada de aço! Quando respondi que não tinha visto nadinha, a editora apenas escutou e desligou o telefone.


Foi aí que a ficha caiu da merda que eu tinha feito, mesmo não tendo nenhuma intenção de fazer algo errado. O meu filme ficou tão queimado no JC que, logo que me formei, nem fui aproveitado por lá como profissional. Tive que aprender na tora que, para ser um verdadeiro jornalista, você precisa ser correto, ético e comprometido com a verdade. É que nem, com as suas devidas proporções, o caso daquele juiz, metido a salvador da pátria, que, de forma parcial e política, condenou sem provas concretas um inocente à prisão. A diferença é que as minhas intenções não eram más, já as desse juiz...

65 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page